Crónicas da viagem a Barca D'Alva

Espaço, silêncio, inspiração e tempo, muito tempo para divagar, meditar e descobrir as ideias e palavras certas...

terça-feira, janeiro 10, 2006

6h50 - O outro lado.

O despertador tocou. Mas não o ouvi. Podemos considerar o telemóvel um despertador? Nunca sabemos se estamos perante o toque que nos incita a acordar ou o telefonema para o qual não queremos despertar.

É frequente não querer sair do envolver aconchegante de muitos cobertores: Tudo o que sabemos que é demais exige envolvimento. "Estou envolvido com ela.". "Olha, envolvemo-nos, e não sei que fazer agora". E eu já estava na cama há tempo demais. Umas 5 ou 6 horas para ser preciso. E sabia que uma aventura precisa de um súbito aclarear de mente.

Este turbilhão de pensamentos, que se lêem agora no tempo que leva os olhos a percorrerem cada uma das letras e dar-lhes um sentido, leva mais tempo dentro de nós, quando no aconchego dos cobertores. porque cada um destes pensamentos não está isolado: Todo e qualquer pensamento está encadeado. Em especial quando aqueles lencóis, aquele cobertor, aquelas paredes, aquele local tem qualquer coisa presente que não me abandona. Dificil esquecer que dormia sempre para o lado da janela, por favor, por estar orientada a Sudoeste. Uma linha perfeitamente traçada, perpendicular à minha espinha dorsal, levaria-me directo aos Açores. E daí ainda menos isolado está o pensamento. And so on, and so on. (Soi oni und Soi oni).

7h15m. Era esta, a hora. Chegado ao rés-do-chão, sem pequeno-almoco ou mais do que trouxas metidas ao acaso para uma mochila (entre as quais uma máquina fotográfica), não encontrei o Pedro. Pudera. Não tinha ficado marcado um local ao certo. Mas não sendo ali, e sabendo que ele não falhava, só podia ser no local de partida de toda e qualquer aventura: A Câmara Municipal de Gaia. Sim, não há outro local. Assim como não há verdadeiras aventuras sem comboios. Pelo menos, eu ainda não as tive. Talvez com aviões. Mas com um tram á chegada ou á partida.

Em suma, sabendo onde ir, surgem duas ou mais opcões. Partir ou chegar não são opcões: Sabendo para onde queremos ir, temos forcosamente de ir. Podemos seguir na direccão errada, ou na chegar a hora incerta, mas "Partimos. Vamos. Somos."

Com companheiros, evidentemente. Da verborreia[1] passo agora a uma descricão objectiva: O João e o Pedro esperavam-me. Na Câmara Municipal, ponto de partida de toda e qualquer aventura. Chegando com 5 minutos de atraso, tenho 5 minutos até o próximo metro se aproximar. Óptimo: Tempo para um leve pequeno-almoco. No Símbolo. Sempre aberto. Sempre disponível.

Recomposto, e com um leite achocolatado e um croissant para a viagem, reúno-me aos companheiros que aguardam. Toca o telefone. O Gustavo acordou. "Passa-se que estou atrasado. Passa-se que estou muito atrasado.". Não é necessário desesperar: Há tempo. Há sempre tempo. É sempre possível superarmo-nos. Um bom líder mantém o optimismo. Eu não sou um bom líder, porque não vi as coisas com a realidade e frieza necessárias: Acreditava piamente que era possível ele chegar a tempo. Nem coloquei outra hipótese. No fundo, o objectivo a atingir era percorrer uma linha abandonada, e para isso, poderia sempre viajar de automóvel. Por acaso, tivemos sorte. E o Gustavo teve vontade.

Meanwhile, num outro ponto da cidade de Portucale, atravessavamos a Ponte D. Luís, tiravamos as primeiras fotografias, preparavamos a saída apressada em S.Bento. S. Bento, estacão de metro, e não estacão de comboios. Entramos. Fotografamos mais um pouco. Encontramos a nossa carruagem, o nosso espaco. O João toma café. Eu e o Pedro entramos, confiantes que ele chegará a tempo. E sentamo-nos.

Um silvo agudo ecoa: Um comboio parte. É o nosso. Devia ter usado uma artigo definido. Não importa: Era apenas um comboio. Foi 'O' comboio, mas existiram outras aventuras. E um diferente comboio a trazer-nos.

Não nos pertence. E no entanto, era nosso enquanto nele viajamos.

São 7h50.


[1] verborreia
do Lat. verbu + Gr. rhoía, de rheín, correr
s. f.,
fluência excessiva de palavras;
verbosidade inútil;
logorreia.

5 Comments:

At 11:23 da tarde, Blogger gpm said...

"Toca o telefone", não, "tocas" o telefone...
Se não fosses tu, meu caro, se não fosses tu...

 
At 11:25 da tarde, Blogger gpm said...

God bless you, please, Mr Daniel.

 
At 10:54 da manhã, Blogger dfrodrig said...

"tocas" o telefone???

Não: "Toca o telefone".

Ou querias dizer: <<"Toca o telefone" e não "Tocas" o telefone>> E entretanto já corrigiste??

God bless you too Mr Gustavo! :p

 
At 9:47 da tarde, Blogger gpm said...

Não me fiz entender, meu caro!

Evidentemente que gramaticalmente correcto seria "toca o telefone".

Mas o que quis dizer é que quem fez tocar o telemóvel foste tu - daí o "tocas". Tocas, tu. :P

 
At 9:11 da manhã, Blogger dfrodrig said...

Já não me recordo. Para a história, fica que tu acordaste e me ligaste.

Fica esteticamente mais bonito :)

 

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