Crónicas da viagem a Barca D'Alva

Espaço, silêncio, inspiração e tempo, muito tempo para divagar, meditar e descobrir as ideias e palavras certas...

sexta-feira, janeiro 27, 2006

E foi então que

... cravei com força a minha bota no suporte de ferro da carruagem da Sorefame e fui inundado por um alívio metálico imenso. Agarrei-me bem e subi a bordo no exacto momento em que a silhueta do João passava, sem que este, no entanto, se desse conta que eu tinha ali acabado a minha aventura individual e começava outra naquele preciso instante, sim, estava a bordo.

Minutos antes tinha corrido atrás de algo que era incerto. Motivado por querer ser parte de algo importante, motivado por três amigos montados num cavalo de ferro que insistia em fugir, tinham também eles insistido para que eu levasse a saga até um final favorável. O facto de ter assistido à partida do comboio em Campanhã, e ter repetido a imagem em Ermesinde mostrou-me que não se pode hesitar, e que placas de indicação de estações nas localidades são de utilidade extrema ao iniciado a viajante-perseguidor-de-comboios. Foi assim que, depois de ter perseguido todas as placas existentes em Ermesinde até estas se esgotarem na proximidade da estação, e de, uma vez mais, ter assistido à partida do comboio no lado errado dos acontecimentos, as indicações claras do Pedro Nuno, conhecedor exímio da linha em questão e das propriedades das composições, auxiliado pelo João, e motivadas pelo Daniel, apontaram Paredes como o objectivo. Não poderia se mais claro e simples: Paredes, a última oportunidade para o tudo ou nada.

Comboio em linha, e eu novamente na estrada. O motor 1.0 do VW fez grande parte do trabalho deixou para trás o alcatrão homogéneo, monótono, e viria a bater os 1400 cavalos da locomotiva 1411 da CP. Pelo caminho, ia amaldiçoando a minha falta de preparação no dia anterior: arrastado de casa pelo tempo naquela manhã de Inverno, não tinha tido oportunidade de escolher roupa e material apropriados a uma viagem ao interior do Norte.

Na chegada a Paredes, decidi investir tempo ao perguntar ao funcionário da portagem o local da estação. Apesar da indicação errada, em que deveria ter seguido pela "outra direita", tal veio a demonstrar-se da maior utilidade: permitiu-me apontar na direcção certa numa cidade em que há tantas placas informativas como macacos que saibam ler as obras de Shakespeare. Do momento em que localizei a estação ao comboio foi um abrir e fechar de olhos: deixei o carro no primeiro lugar que surgiu e entrei na estação em sincronismo com a entrada da outra aventura sobre carris.

Subi a bordo. Para trás ficaram lençóis e tentativas falhadas. Trabalho de equipa, fase 1, terminado.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Capítulo 3



Rapidamente chegámos a Campanhã.
Ao telefone, o Daniel explica ao Gus que estamos parados e que vamos partir dentro de 3 minutos…
-“Talvez ainda consigas apanhar o comboio aqui em Campanha”.
Eu, faço algumas contas, para saber qual a próxima estação. Rapidamente, com a ajuda do João chegamos à conclusão que as melhores hipóteses, alternativas a Campanha são, Ermesinde e Penafiel.
Cheguei a pôr a hipótese de Livração. Nutro por esta estação um carinho especial. Foi lá que tirei uma das mais bonitas fotos e onde passei algumas horas a conversar com um maquinista. Aprendi nessa tarde muito sobre a ferrovia e tive a oportunidade de entrar numa das antigas automotoras da Linha do Tâmega.
Foram apenas três, as automotoras que vieram para aquela linha. Duas delas tiveram um acidente, tendo sido recuperada somente uma delas. Ficaram duas, que acabaram os seus dias paradas na linha de resguardo da estação de Livração. Nessa tarde visitei uma delas fotografando para a posteridade o seu interior velho e sujo de tanto pó que se acumulou ao longo dos tempos. Lembro-me também da primeira vez que fui lá de carro. Percorri, a sentimento, caminhos, curvas contra curva no meio do nada até, por fim, encontrar uma placa, daquelas placas tão típicas que existem em muitas localidades, a direr: “Estação C. F.”.
Seria muito difícil para o Gustavo encontrar esta estação, ainda por cima numa posição de desvantagem.
Entretanto o comboio parte e, o Gus do lado de fora da estação, vê a velha composição afastar-se da plataforma.
O ânimo é reduzido, mas o incentivo é grande e ele lança-se à estrada.
“Vai pela A4 rumo a Penafiel.”
Rapidamente, e a todo o gás, iniciamos a subida para Contumil. Ao cimo o antigo apeadeiro transformado num grande parque de material circulante aguarda a nossa passagem. Este serviço só pára nas estações, por isso passamos à velocidade que foi possível ganhar durante a subida.
Dentro da carruagem vamos tirando fotos. O meu tripé, provavelmente um dos investimentos mais irreflectidos que já alguma vez fiz, mostra para que serve e faz-me pensar que afinal, poderá não ter sido uma má opção. Numa sucessão de fotos e de risadas, aproximamo-nos de Ermesinde.
Será desta que o homem consegue entrar no comboio?
As piores previsões verificam-se e, mais uma vez, o Gustavo vê a composição afastar-se. Ao telefone o Gus apresenta-se muito desmotivado, mas, mais uma vez, soltam-se incentivos de todos os que a bordo da Sorefame, (apenas três pessoas) sentem que a sua presença nesta aventura é fundamental.
Elaboro muito rapidamente uma teoria bastante convincente. Várias vezes percorri esta linha e conheço razoavelmente bem a sua topografia. Avizinha-se um percurso com muitas subidas até à estação de Cête. Uma 1400 com seis Sorefames não atinge muito mais do que 40 Km/h em alguns troços. Com umas contas muito rápidas, tento fazer uma previsão do tempo que poderemos demorar até Cête. São 4, como já referi, as carruagens que a composição trás. A locomotiva, embora tenha ido recentemente à revisão, já não tem a força de outros tempos, pelo que terá alguma dificuldade no percurso.
Assim, joga tudo a favor do Gustavo!
Face aos incentivos o homem faz-se à estrada.
O raciocínio e a pressa da manhã, impediram-me de cumprir um dos rituais mais importantes do dia. Tomar café tornou-se um imperativo para que o dia corra bem e para que o discernimento seja maior.
Embora não seja uma especialidade por aí além, tornou-se também um hábito tomar café a bordo do comboio. Num InterCidades, num Pendular e, agora neste serviço cujo nome não consigo precisar.
O João acompanha-me nesta saga. São 2 carruagens apinhadas de pessoas que foram passar o Natal ao Porto, que nos separam da carruagem bar.
Durante o percurso notamos nas “caricaturas” que vão surgindo. Serão bons motivos para fotos.
O Daniel ficou a guardar os lugares e todo o equipamento da espedição.
Chegados à dita carruagem, o ritual está próximo e é com um grande cerimonial que tomo o dito da manhã.
Entre conversa e fotos chegamos a Paredes.
Sem reparar, e quando iniciávamos o regresso ao nosso lugar, eis que surge o Gustavo.
“Esperava-te só em Penafiel, bem vindo a bordo!”
Passamos sem grande assunto de relevo as estações de Penafiel e Cête.

terça-feira, janeiro 10, 2006

6h50 - O outro lado.

O despertador tocou. Mas não o ouvi. Podemos considerar o telemóvel um despertador? Nunca sabemos se estamos perante o toque que nos incita a acordar ou o telefonema para o qual não queremos despertar.

É frequente não querer sair do envolver aconchegante de muitos cobertores: Tudo o que sabemos que é demais exige envolvimento. "Estou envolvido com ela.". "Olha, envolvemo-nos, e não sei que fazer agora". E eu já estava na cama há tempo demais. Umas 5 ou 6 horas para ser preciso. E sabia que uma aventura precisa de um súbito aclarear de mente.

Este turbilhão de pensamentos, que se lêem agora no tempo que leva os olhos a percorrerem cada uma das letras e dar-lhes um sentido, leva mais tempo dentro de nós, quando no aconchego dos cobertores. porque cada um destes pensamentos não está isolado: Todo e qualquer pensamento está encadeado. Em especial quando aqueles lencóis, aquele cobertor, aquelas paredes, aquele local tem qualquer coisa presente que não me abandona. Dificil esquecer que dormia sempre para o lado da janela, por favor, por estar orientada a Sudoeste. Uma linha perfeitamente traçada, perpendicular à minha espinha dorsal, levaria-me directo aos Açores. E daí ainda menos isolado está o pensamento. And so on, and so on. (Soi oni und Soi oni).

7h15m. Era esta, a hora. Chegado ao rés-do-chão, sem pequeno-almoco ou mais do que trouxas metidas ao acaso para uma mochila (entre as quais uma máquina fotográfica), não encontrei o Pedro. Pudera. Não tinha ficado marcado um local ao certo. Mas não sendo ali, e sabendo que ele não falhava, só podia ser no local de partida de toda e qualquer aventura: A Câmara Municipal de Gaia. Sim, não há outro local. Assim como não há verdadeiras aventuras sem comboios. Pelo menos, eu ainda não as tive. Talvez com aviões. Mas com um tram á chegada ou á partida.

Em suma, sabendo onde ir, surgem duas ou mais opcões. Partir ou chegar não são opcões: Sabendo para onde queremos ir, temos forcosamente de ir. Podemos seguir na direccão errada, ou na chegar a hora incerta, mas "Partimos. Vamos. Somos."

Com companheiros, evidentemente. Da verborreia[1] passo agora a uma descricão objectiva: O João e o Pedro esperavam-me. Na Câmara Municipal, ponto de partida de toda e qualquer aventura. Chegando com 5 minutos de atraso, tenho 5 minutos até o próximo metro se aproximar. Óptimo: Tempo para um leve pequeno-almoco. No Símbolo. Sempre aberto. Sempre disponível.

Recomposto, e com um leite achocolatado e um croissant para a viagem, reúno-me aos companheiros que aguardam. Toca o telefone. O Gustavo acordou. "Passa-se que estou atrasado. Passa-se que estou muito atrasado.". Não é necessário desesperar: Há tempo. Há sempre tempo. É sempre possível superarmo-nos. Um bom líder mantém o optimismo. Eu não sou um bom líder, porque não vi as coisas com a realidade e frieza necessárias: Acreditava piamente que era possível ele chegar a tempo. Nem coloquei outra hipótese. No fundo, o objectivo a atingir era percorrer uma linha abandonada, e para isso, poderia sempre viajar de automóvel. Por acaso, tivemos sorte. E o Gustavo teve vontade.

Meanwhile, num outro ponto da cidade de Portucale, atravessavamos a Ponte D. Luís, tiravamos as primeiras fotografias, preparavamos a saída apressada em S.Bento. S. Bento, estacão de metro, e não estacão de comboios. Entramos. Fotografamos mais um pouco. Encontramos a nossa carruagem, o nosso espaco. O João toma café. Eu e o Pedro entramos, confiantes que ele chegará a tempo. E sentamo-nos.

Um silvo agudo ecoa: Um comboio parte. É o nosso. Devia ter usado uma artigo definido. Não importa: Era apenas um comboio. Foi 'O' comboio, mas existiram outras aventuras. E um diferente comboio a trazer-nos.

Não nos pertence. E no entanto, era nosso enquanto nele viajamos.

São 7h50.


[1] verborreia
do Lat. verbu + Gr. rhoía, de rheín, correr
s. f.,
fluência excessiva de palavras;
verbosidade inútil;
logorreia.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Eram 7:25 da manhã

... e o som incansável e agudo cortou o curto espaço que me separava do telemóvel.

Estava escrito, algures, que assim se passariam as coisas. Não me recordo do número de vezes que o som se repetiu, mas recordo sem dificuldade que o ritmo só poderia significar que - no limite do meu estado de consciência - algo tinha falhado e eu não tinha ouvido o 'outro toque do outro ritmo' muitos minutos antes, o alarme.


Do o outro lado a voz do Daniel,
"que se passa?",
"passa-se que estou atrasado", "passa-se que estou muito atrasado",
passava-se o que não se deveria passar, eu que tudo via a caminhar para trás e o comboio para a frente e o tempo que o empurrava e me puxava para trás, o dia que começava e que era encoberto por nuvens de um equacionar rápido de soluções, perguntas e respostas em que cresciam em número, as primeiras a ritmo superior.

Olhei para o relógio. Era muito improvável que o espaço-tempo - essa dupla de Einstein que só atrapalha a vida do comum dos viajantes - me permitisse chegar a tempo ao comboio. A lógica e o desespero gritavam desistir, planear talvez que o comboio seguinte, o seguinte com as perdas que a decisão envolvia... E foi quando olhei para o telemóvel para ligar e transmitir a ideia que reparei que, no canto superior direito do visor de cristais líquidos, algarismos variados apontavam uma realidade diferente da que eu conhecia até então naquela manhã. Aquela era uma realidade que envolvia mais uns minutos que a anterior, e eu comecei a questionar qual das duas realidades seria a real realidade.

O tempo segue no sentido da entropia do Universo. É curioso como dois relógios podem ser duas realidades, a do desistir e a do persistir, a do agonizar e a do tudo tentar, minutos a menos, minutos a mais. Eu optei pela realidade que abria novas portas.

Longe imaginava eu nesta altura o quão longe teria de ir e quão perto estava de ser bem sucedido.

A composição

Locomotiva Série 1400, + precisamente a 1411 - S. Bento - O dia já se sabe qual é...

Capítulo 2: O início da Viagem

A noite apresenta-se nublada, podendo ver-se o reflexo laranja da luz das duas cidades que partilham o rio Douro. De vez em quando caem chuviscos que molham lentamente as nossas roupas, + ou – bem escolhidas para o tempo que faz.

Uma vez que desejava-mos ver as paisagens e caminhar um bocado na linha da Barca D’Alva, nada melhor do que um dia de chuva para o efeito.


Antes de entrar neste veículo mendigado durante anos, tempo houve para recarregar o Andante e para o Sr. Daniel ir comprar o pequeno-almoço.

O Gustavo atrasou-se e disse que iria ter directamente a Campanha.

Entramos no metro, meio ensonados e a viagem decorre rapidamente até à paragem S. Bento.

Saímos. Percorremos o caminho até às escadas rolantes que dão acesso à parte lateral Direita do edifício da Estação de S. Bento.

Entramos pela porta principal. No átrio decorrem obras de manutenção do tecto, apresentando-se aquele grande espaço de espera, circulação e acesso ás plataformas, completamente fragmentado devido aos andaimes que por lá foram instalados. Restam pequenos corredores, ligando directamente à plataforma.

Foi para lá que nos dirigimos fazendo um slalom para chegar às bilheteiras.

Comprámos os bilhetes de ida e volta (dá 10% de desconto) para o Pocinho.

Nas plataformas estão os novos comboios eléctricos do serviço de suburbanos do grande Porto. Sem grandes explicações refiro apenas que são Unidades Múltiplas Eléctricas, fabricadas pela Bombardier e que entraram ao serviço em ……… A sua primeira viagem oficial chegou à plataforma de S. Bento onde está o nosso comboio. A mítica composição com 4 carruagens Sorefame, 1 de 1ªclasse + bar e 3 de 2ªclasse, com uma 1400, mais precisamente a 1411, espera que lhe seja dado o sinal de partida. Daí para a frente serão 3 horas e 39 minutos, pelo horário, até ao Pocinho.

Tempo ainda para uma passagem pelos W.C. e para umas fotos à composição.

As carruagens mais próximas da entrada da estação estão cheias de gente, na sua maioria idosos, que vieram passar o Natal com as suas famílias e agora regressam às lides do campo. A carruagem mais próxima da máquina está deserta, é para aí que nos dirigimos.

Instalamo-nos para que a viagem se inicie…

O sinal passa a verde. O chefe da estação diz ao maquinista que este pode seguir. Este com as suas mãos faz soar a buzina (não sei se está bem escrito) da velha máquina, ao mesmo tempo que acelera, para mergulhar no túnel das…….

Venha o Texto !

Poderei cometer erros, por isso o esclarecimento de determinados aspectos será uma mais valia para este Blog.
Posto isto, cá vai:

Capítulo 1
A Decisão

A perspectiva de se realizar uma viagem, de comboio (refira-se), Douro acima, à muito que estava pensada nas nossas mentes. O ponto de atracção desta viagem desde sempre foi a paisagem. Essa paisagem que Deus elegeu como sua preferida, dotando as suas terras de características únicas para que delas nascesse um dos melhores vinhos do mundo. A Linha do Douro construída (vou ler um bocado sobre a história da linha e depois ponho num comment mais à frente…) permite ao vulgar viajante uma visão única do Rio Douro e das suas encostas. Pontos existem onde o comboio circula tão próximo do rio, que dá a sensação que este mergulhou nas suas águas.

No entanto outra atracção surgiu, agregando-se ao objectivo primeiro, enriquecendo-o e tornando a viagem numa caminhada à aventura e descoberta de trilhos por onde os homens e máquinas andaram, mas que agora se encontram esquecidos e perdidos no tempo, à espera que alguém se lembre deles, da sua história e da sua beleza.

Decidiu-se no dia 25 de Dezembro que 26 seria um bom dia para percorrer estes caminhos. O Daniel está de férias, eu não trabalho e o João e o Gustavo, mesmo avisados em cima da hora, tiveram disponibilidade nas suas agendas.

Marcou-se o início desta aventura para as 7:15 na estação do Metro do Porto: “Câmara Gaia.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Assim que o Gus entrou em Paredes

Meeting Point

Câmara Municipal de Gaia.

7h15m de dia 26 de Dezembro de 2005.

Comecou esta viagem.